Ao ler pela primeira vez uma cláusula típica de Força Maior, a maioria das pessoas se surpreende ao encontrar o termo “Ato de Deus”. Os contratos entre empresas não devem ser misturados com religião, pois não? Não se preocupe, no final deste artigo, tudo ficará muito mais claro. Quando assisti à penúltima prova nos Alpes do Tour de France 2019 (ciclismo), senti-me inspirado a escrever sobre essa disposição.

“Viver como Deus em França”

Na língua holandesa, há uma expressão “viver como Deus na França”. Com um pouco de interpretação distorcida – admito – pode-se dizer “Deus está vivendo na França”. Nota: tudo isso deve ser lido de forma figurativa.

Os eventos que ocorreram durante a corrida foram muito emocionais para os franceses. Depois de cerca de 30 km, o ciclista local que atualmente é o melhor nas montanhas – Thibaut Pinot – teve que deixar a prova com uma lesão muscular, muito incomum para ciclistas. Isso pôs um fim às esperanças francesas de que ele pudesse vencer a corrida de 3 semanas e trazer uma primeira vitória francesa em várias décadas.

Mas, não se preocupe, outro ciclista francês ainda estava na liderança – Julian Alaphilippe. Infelizmente, mais tarde naquele dia, ele não pôde seguir mais um ataque à sua liderança e foi empurrado “virtualmente” fora da camisa amarela (liderança). “Virtualmente” significa, neste contexto, que, se os atrasos permanecem os mesmos na chegada desse dia, ele não estará mais na liderança.

Ato de Deus

Tanta emoção francesa em uma única etapa – perder a esperança de ter uma vitória nacional depois de tantos anos, que valeria (quase) mais do que ganhar o campeonato mundial de futebol – até trouxe lágrimas a alguns comentaristas da televisão.

Então, para levar todas essas emoções a um fim abrupto, um evento climático extremo tomou a corrida de surpresa. Imagens das consequências de uma tempestade de granizo localizada foram disponibilizadas. Na estrada, cerca de dez quilômetros antes da posição dos corredores, podia-se ver um acúmulo maciço de granizo, inundações e até mesmo deslizamentos de terra.

Voltamos aos contratos

Força Maior é um evento inesperado que impede alguém de fazer algo que está previsto em um contrato e que não poderia ter sido evitado ou superado razoavelmente. Deve estar fora do controlo da Parte Contratante e não ser (substancialmente) imputável à outra Parte. Quando um evento de Força Maior é reconhecido, o resultado prático é uma extensão do tempo correspondente às consequências do evento de Força Maior.

Tipicamente, a definição de Força Maior em contratos inclui alguns casos explícitos, incluindo o “Ato de Deus”. Ato de Deus, conforme a definição do Dicionário de Cambridge, é “um evento, como uma tempestade muito ruim, que não pode ser evitado ou controlado e para qual, geralmente, não é possível assegurar-se”. Isto contrasta com outros eventos de Força Maior que são atos humanos como a guerra, o terrorismo, a greve, etc.

Assim, quando um tal Ato de Deus atingiu a Volta à França, a direção do evento teve de agir rapidamente e “suspender” a corrida. É evidente que esta suspensão não podia ser apenas durante o período da tempestade de granizo, que foi muito curta. Deve abranger as consequências do acontecimento, ou seja, a impossibilidade de circular de bicicleta na estrada até o destino. Neste caso particular, os tempos dos ciclistas foram contabilizados – retroativamente – no topo da última subida antes do Ato de Deus e a corrida só voltaria a começar no dia seguinte.

Lamento

Conceitos contratuais famosos como “Força Maior” e “Acto de Deus” são gradualmente retirados dos contratos e substituídos por uma redacção alternativa.

A Força Maior/Force Majeure foi substituída na versõa em inglês da “suite arco-íris” de FIDIC 2017 pelo termo “Evento Excepcional”. É uma pena por um dos últimos termos franceses remanescentes. Devemos também começar a substituir FIDIC pela IFCE? Esta última seria a abreviatura de “the International Federation of Consulting Engineers”, substituindo o acrónimo do seu nome francês “Fédération Internationale Des Ingénieurs-Conseils”.

Um pouco de tradição também pode ser divertido!

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